domingo, 27 de setembro de 2009

Obrigado Olga

Decididamente foi das coisas que mais gostei de ler nos últimos tempos....

O José Luís Peixoto escreveu o texto abaixo e não resisti a partilhar contigo e com os teus leitores um excerto.


DESISTIR

"...Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe e se pode e se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. Essa é a conclusão a que se chega logo no fim da adolescência. Quando os números deixam de ser números. Trinta, quarenta, cinquenta anos. As gerações sucedem-se. Os degraus de uma escada rolante que desaparecem lá em cima enquanto subimos, subimos, olhamos para trás e ainda vemos o primeiro degrau, quase como quando tínhamos acabado de chegar e, no entanto, continuamos a subir e vemos já o fim. Os nossos avós mortos, os nossos pais mortos, nós, os nossos filhos, os nossos netos. E, se existir um horizonte, podemos olhá-lo e perceber finalmente que estamos parados no tempo e que o tempo, nesse presente definitivo, está parado dentro de nós.

Eu olho para esse horizonte, arrependo-me e não me arrependo, tento compreender ou lembrar-me daquilo que quero mesmo. Depois, penso em tudo aquilo que posso fazer para que aconteça: os gestos e as palavras. Depois, hoje é um dia mais forte e, de repente, imenso. Depois, penso em tudo aquilo de que terei de desistir para alcançar o que quero: para ser o que desejo ser. Então, não fico triste. Aceito tudo aquilo que nunca fiz e que acredito que nunca terei vida suficiente para fazer. Num dia, avisado ou sem aviso, morrerei. Estas mãos serão nada. Este rosto será nada. Uma única vida é pouco. Aceito essa certeza sem que ninguém me pergunte se estou disposto a aceitá-la. É então que me convenço finalmente que nunca serei campeão de xadrez, nunca registarei uma patente, nunca conduzirei uma Harley Davidson, nunca invadirei um pequeno país, nunca venderei relógios roubados aos transeuntes da rua Augusta, nunca serei protagonista de um filme de Hollywood, nunca escalarei o monte Everest, nunca farei uma colcha de renda, nunca apresentarei um concurso de televisão, nunca farei uma neurocirurgia, nunca ganharei a lotaria, nunca casarei com uma princesa, nunca ficarei viúvo de uma princesa, nunca me mudarei para Detroit, nunca farei voto de silêncio, nunca tocarei harpa, nunca serei o empregado do mês, nunca descobrirei a cura para o cancro, nunca beijarei os meus próprios lábios, nunca construirei uma catedral, nunca velejarei sozinho à volta do mundo, nunca decorarei uma enciclopédia, nunca despoletarei uma avalanche, nunca apresentarei cálculos que contradigam Einstein, nunca ganharei um óscar, nunca atravessarei o Canal da Mancha a nado, nunca participarei nos jogos olímpicos, nunca esfaquearei alguém, nunca irei à lua, nunca guardarei um rebanho de ovelhas nos Alpes, nunca conhecerei os meus tetranetos, nunca repararei a avaria de um avião, nunca trocarei de pele, nunca bombardearei uma cidade, nunca serei fluente em finlandês, nunca comporei uma sinfonia, nunca viverei numa ilha deserta, nunca compreenderei Hitler, nunca exibirei um quadro no Louvre, nunca assaltarei um banco, nunca darei um salto mortal no trapézio, nunca atravessarei a Europa de bicicleta, nunca lapidarei um diamante, nunca farei patinagem artística, nunca salvarei o mundo. Ainda assim, além de tudo isto, há o universo inteiro."

1 comentário:

Anónimo disse...

Para quem quer ler o texto na íntegra este é o link do blog:

http://bravonline.abril.ig.com.br/blog/joseluispeixoto/