quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Já alguém o disse antes!






Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...
Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.
Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.

José Mário Branco, 1982.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Só eu no teu vazio!

Preciso dizer?
Preciso explicar?
Ás vezes penso que falo chinês...
Não me entendes. Não percebes?
Ou simplesmente te fazes despercebida?
Eu sou o que sou, o mesmo desde os meus 16 anos.
Aquele que passou pelas brasas, ou para mim, pela merda!
Aquele que já viveu do pior ao desinteressante.
Aquele que fazes amar-te., que se diz louco por.
Que queres tu mais?
Eu compreendo o quanto difícil ver as coisas do outro lado.
Mas no fim de tudo sou eu que te fala.
Sou eu o que te diz o que quer, o que sente e que tu não acreditas!
Sou eu que chora por lágrimas secas.
Sou eu quem tu não acreditas e vês num mundo diferente.
Sou só eu, o único que tu amas!

Mais um dia estranho...

São 16:30. Vou no autocarro em direcção à baixa da cidade.
Penso num óptimo sítio para tomar um café quente.
Está tudo gelado, principalmente porque esteve a chover e agora arrefeceu outra vez.
Ainda ontem estive no limite de cair a cada passo que dava sobre o gelo.
Ligo os meus phones ao telemóvel e ouço música. Radiohead - 15 steps.
Uma grande música.
O autocarro vai parando em vários pontos da cidade.
Vê-se imensas pessoas a entrar e a sair. Um movimento contínuo.
Quase que fazia uma música com ritmo, em que cada entrada e saída das pessoas eram um som distinto.
Numa dessas estações acaba de entrar uma pequena miúda. Tem um ar tímido, simples.
Com uns olhos claros pede para a deixarem passar. Está numa cadeira de rodas.
Não tem mais de 15 anos. Estava sozinha e mostra-se independente.
Não paro de pensar o que lhe terá acontecido. Que infelicidade será ser assim.

Passo os meus dias a reclamar porque me acho infeliz por todas as minhas escolhas.

Sinto-me triste por não te ter ao meu lado, sinto-me vazio.
No entanto vejo esta miúda que perdeu um valor físico enorme. 
Mas tem um ar simples.
Enquanto ouço música vou batendo o pé em forma de acompanhar o ritmo.
Ela está de frente para o meu lugar e observa-me a bater o pé.
Que pensamentos lhe irão na mente? 
Estará a pensar o mesmo que eu? 
Eu bato o pé para seguir a música, ela deve-se perguntar tantas vezes porque não o pode fazer.
Não consigo tirar a tristeza de ver a pequena rapariga bloqueada a uma cadeira de rodas.
Há muitas injustiças neste mundo. 
O ser humano passa o tempo a auto destruir-se. 
Álcool, cigarros, drogas. Arrisca a vida no limite da adrenalina, só para se sentir importante.
A miúda de cadeira de rodas não o faria. 
Trocaria de lugar e auto estimava-se. 
Dava valor a todos os passos que daria. Amaria cada segundo de pé. 
A vida é estranha pela injustiça que aplica a quem não merece.


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O meu primeiro presente.

Lembro-me como se fosse hoje.
Era natal, estava frio. Estava em casa dos meus avós.
Todos estavam cansados. Todos os natais eram assim.
Toda a gente estava cansada dos últimos dias de trabalho intensivo.
Era pouco mais da meia noite e sabia, que depois, abriria os meus presentes.
Estava desperto como se fosse cedo ainda.
Estava excitado. Quase que puxava a minha mãe.
Entra a chave da fechadura e a minha mãe demorava-se a abrir a porta.
Entro e corro para o presente maior, o verdadeiro presente de natal.
Todos os outros já sabia o que era. Queria era saber aquele.
Abri. Os meus olhos brilhavam a cada décibel emitido pelo papel rasgado.
Ali estava ele. O meu presente.
Não estava mesmo à espera.
Era um Walkman, "Uma cena..."!!!!!
Os meus olhos mostravam um orgulho.
Era um walkman e trazia uma cassete.
Eram as "mini star". Nem fazia ideia quem eram.
Mas era o meu primeiro presente que me fazia "jovem" e não criança.
Estava radiante com tal presente.
Estava na idade de ouvir música, de ter as minhas cassetes e saber escutar.
E nem tinha dado conta que já a tinha atingido.
Que brilho. Que sorriso tão puro era aquele.
Voltei a ter muitos outros bons presentes. Mas aquele tornou-me uma grande pessoa.

Cruzamentos...

Vejo o sinal vermelho. Paro!
Fico à espera de uma luz que leva a continuar.
A rua está deserta, ninguém caminha. Não há carros.
Está frio. Tenho as pernas gélidas...Não as sinto.
O silêncio torna-se mortal. Nada. Vazio.
Apreço um abutre à espera do resto que nos possa calhar.
A breve brisa que corre corta-me a pele.
Sinto-me gélido.
Já não sei que pensar. E está frio.
Parece nunca mais acabar! Porque me meti eu nisto?
E o tempo não passa.
O vazio continua.
O silêncio enlouquece-me mais uma vez.
Maldito telemóvel nem toca.
Espero por algo de bom. Uma mensagem boa.
De alguém que eu espero tudo, mas não parece ceder.
Mas este frio. Corta!!!
E o tempo não passa. E o frio piora.
Agora nem os pés, nem as mão. As orelhas já as perdi.
Estou a ficar em pedaços difícil de voltar a colar. Talvez deva usar...
Não sei que solução dar. E cada vez estou mais gelado.
Sinto-me tão sozinho que o o valor da companhia enfraquece-me.
Sou visto de branco, como se não fosse jamais de preto.
Sinto-me perdido. O frio piora.
O telemóvel não toca. Ainda não há notícias.
A luz verde vem. Arranco.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?

Quando pensa deitar-se, já é outro dia. Batem à porta. É o "sô" Manacés, o barbeiro. Pessoa mal lhe dá os bons-dias. O pigarro prende-lhe a fala. Calças a cair do corpo, aponta para a pretinha. Manacés compreende o sinal. Vai ao Trindade enchê-la, ainda nem afiara a navalha. Barba feita, o poeta vai para o escritório. Faz algumas traduções. Almoça no Martinho da Arcada e, antes de voltar ao trabalho, entra numa taberna, meio titubeante. Pensa no seu médico que o proibira de beber. Então questiona-se.
Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me? 
Não: vou existir. Arre! vou existir. 
E-xis-tir... 
E-xis-tir... 
Dêem-me de beber, que não tenho sede! (6)
Noite de 27 para 28 de Novembro. Pessoa encolhido na sua cama, as mãos a pressionarem o abdómen, cólica hepática. Geme, dor. Manhã de 28. Pessoa é transportado para o Hospital de S. Luís dos Franceses. A dor aperta, sufoca. O poeta agoniza. Implora pelo fim de tanto sofrimento. Aplicam-lhe um analgésico. Sob o efeito da droga, reflecte sobre a vida que ameaça escapar-lhe agora.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

A idade do Gelo

Frio. Arrepia-me, gela-me dos ossos até a epiderme! Quebro-me.
Fico bloqueado, sem senso. Não penso e esvazio-me. Os nervos não comunicam.
A atmosfera pesa-me no de forma dolorosa. A pressão existente no imaginário vazio.
Trabalho, durmo, mas não penso.
Escurece mal o nasce o sol. Fico tudo branco, tudo é gelo. Tudo silencioso.
Não apetece sair do meu mundo. Mas saio. Já está. Já estou.
Tudo se aglomerou.
Levam-me a fazer o que não espero. Faço. Fiz.
Fazem-me focar o que não vejo. Foco. Foquei.
Penso... Já nem sequer penso. Já não sei pensar. Já não sei o que é isso.
Sou apenas um bloco de gelo nórdico.
Pareço um robô da idade do gelo,
programado para fazer o que já não sei o que é.
Que faço eu? Que decisões tomar? Que lutar?
Estou gelado. Quebro-me.
Sou um cubo de gelo, num mundo gelado.
Sou eu, apenas e simplesmente na idade do gelo.
O meu dia-a-dia que não escolhi.

Serra da Estrela

domingo, 5 de dezembro de 2010

Linda Martini - O amor é não haver polícia




Sentimos no ar a melodia etérea. É a nossa música.
Cantamos e dançamos como se fosse a última vez, o
último olhar, o último toque, o último beijo.
Estás linda.
O teu vestido, da cor do vinho que enche os copos,
aquece o chão que pisas e relembra a razão. Todas as
razões.
Diz-lhe para parar aqui. Eu queria tanto parar aqui.
Os olhos param em ti e em mim, enquanto preenchemos o
espaço vazio, impossivel de preencher por alguém que
não nós. Não pedimos o fim, mas não nos importamos se
acabar assim.
Diz-lhe para parar aqui. Eu queria tanto parar aqui. O
mundo é grande e em todo o lado se vive. Diz-lhe para
parar aqui, vivemos em caixas de fósforos. Não
sopres.
Se as mãos pudessem dizer por mim.
Eu queria tanto parar aqui.

Pára.


Linda Martini

A tua faca é suficiente!

Espeta-me uma faca.
Usa a tua melhor faca. Demonstra o valor que me dás.
Despreza-me, ignora-me!
Releva o ódio que em mim depositas.
Mostra do que não sou feito, folheia a tua raiva no meu livro.
Esquarteja-me os capilares sanguíneos.
Dá-me sofrimento, dá-me dor!
Rasga-me. Corta-me em peças, deita ao chão, pisa-me!
Deixa-me no vazio, inconsciente!
Usa a tua melhor faca! Vamos cortar isto em dois e amanha esquecer.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Tempo! Apenas muda insignificâncias.

Todos mudam. Tudo muda!
Eu sei. Tu mudas, eu mudo.
O tempo tanto destrói como fortalece!
Depende do que queres!
A saudade, a distancia. o medo, a insegurança!
O tempo cura ou magoa!
Mas por mais tempo que a distância traga,
por mais insegurança que o medo promova,
Por mais saudade que magoe,
Eu aguento.
Eu dou o peito à bala, Eu vou de frente!
Nada me leva a separar de ti.
Nada me afugenta de quem amo!
O tempo pode magoar, saturar, estilhaçar.
No fim prevalecemos nós. O nosso mundo!
Não importa acelerar o tempo. Vale apenas esperar e viver com saudade e a lágrima no olho!