segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ser bolseiro é ter na alma o espírito de desempregado...

Não têm direito a subsídio de férias, nem subsídio de Natal, nem à protecção da Segurança Social. O Estado não lhes dá acesso aos direitos conferidos por um contrato de trabalho. Mas eles trabalham. São muitas centenas de bolseiros de investigação científica que escolheram ficar em Portugal a investir nas suas carreiras e que não sentem ainda os efeitos dos ventos de mudança. Alguns questionam: será que vale mesmo a pena ficar?

Luísa Mota ameaça tornar-se uma bolseira profissional, sem regalias. É bióloga, tem 34 anos e está actualmente a trabalhar ao abrigo da terceira bolsa de projecto de investigação. O projecto no qual trabalha actualmente termina em Junho. "A melhor perspectiva de futuro que tenho é ser integrada num novo programa de investigação por volta de Outubro." Está, portanto, a caminho da quarta bolsa de projecto. Nos meses "entre bolsas", Luísa e o filho de três anos ficarão sem os 745 euros de ajuda mensal. Restam as poupanças e a ajuda da mãe.

Luísa Mota é também a presidente da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) que reúne mais de 800 pessoas. A representante da ABIC admite que, aproveitando a boleia de novas instituições ou programas de cooperação, "exista menos gente a sair de Portugal, ainda que não se conheçam números oficiais". Mas, sublinha, para os que ficam resta o abrigo da precariedade, do incerto, do "e agora?" no final de uma bolsa. Acumular bolsas atrás de bolsas não é a excepção, é a regra, diz Luísa Mota, que dá o exemplo de investigadores de 40 anos com carreiras que consistem em somatórios de bolsas. E, diz, há uma altura em que o cansaço pode chegar primeiro do que um lugar com contrato de trabalho.

"Isto é um absurdo. O Estado sempre investiu na minha formação e quando posso retribuir manda-me embora? Depois de passar anos a trabalhar não aproveitam isso para o desenvolvimento do país?", atira. Luísa Mota reconhece que há mudanças. "Ainda me lembro do deserto e não foi há tanto tempo assim", afirma. Entre acções de sucesso e novos institutos com "poucas centenas de lugares", a presidente da ABIC denuncia os "programas de fachada que não prevêem investimento nos recursos humanos".

Debaixo do bonito pano que nos mostra que Portugal faz hoje ciência de topo, há "muita precariedade e desespero". "Ainda temos faculdades que fecham 15 dias por ano só para conseguir reduzir as contas de luz. Há cada vez mais professores nas universidades a reformar-se e as vagas não abrem. Há cursos onde o número de alunos duplica e os professores são os mesmos ou menos ainda." A ABIC tem saído à rua em protesto. As bolsas são as mesmas desde 2002 (745 euros para bolsa de projecto, 980 para bolsas de doutoramento e 1495 para pós-doutoramento) e a actualização extraordinária destes apoios foi chumbada (votos contra do PS e a abstenção do PSD). Para já, a prioridade da ABIC é "apenas" que os bolseiros "sejam considerados trabalhadores". A.C.F.





http://jornal.publico.pt/noticia/25-04-2010/bolseiros-sem-contrato-de-trabalho-desesperam-19254972.htm
http://jornal.publico.pt/noticia/25-04-2010/em-portugal-nao-teria-evoluido-como-aqui-19254991.htm

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